Profundos olhos azuis, voz suave de tom professoral, ar delicado e introspectivo. Assim é Li Edelkoort, uma das consultoras de tendências mais importantes do mundo. Chamada de profeta de tendências, guru, médium, a holandesa é uma das 25 pessoas mais influentes na moda, segundo a revista People. De seu trabalho e de sua equipe saem as projeções que orientam empresas de todo o planeta no lançamento de produtos e nas tomadas de rumos.
Seus books de tendências apontam os desejos e as necessidades dos consumidores com antecedência de até dois anos. "Não existe dono para uma ideia, apenas a maneira como tratamos essa ideia", afirmou.
Agora, Li está envolvida na criação de escolas de moda voltadas para desenvolvimento do pensamento filosófico e humanitário em países emergentes, e não apenas no desenvolvimento de habilidades técnicas. "Precisamos de novos talentos", disse. A primeira será inaugurada na Polônia.
O projeto vai ao encontro de suas convicções de que é preciso criar um novo modelo para a moda, de valorização das referências, mão-de-obra e mercados locais.
Li veio ao Brasil pela primeira vez a convite de uma editora brasileira para uma palestra e conversou com o Terra no hotel Unique, em São Paulo, onde está hospedada.
Terra - Empresas de pesquisas existem há mais de 20 anos. O que mudou nesse trabalho desde então?
Li Edelkoort - Quase tudo. Quando começaram a fazer pesquisa de tendências, ainda nos anos 1970, era uma profissão muito simples. Se o tema fosse romântico, tudo seria assim, dos cabelos aos sapatos, e nada escaparia a essa ideia, era muito óbvio. O principal objetivo desse trabalho é ajudar a indústria a não errar tanto.
Agora, as operações tornaram-se mais complexas e globais, novos mercados e nichos foram criados, como jeans, luxo, casual, surf etc. Então, não se pode mais ter apenas uma tendência, mas sim dez ou até mais.
Ainda apontamos uma tendência, mas com vários desdobramentos. Quando preparo meu livro de tendências, faço com que cada página possa gerar uma coleção. Agora, temos de ter mais ideias, estar mais informados, não apenas sobre moda, mas também sobre música, arte, animais, alimentos. Outra mudança importante é que antes me pagavam apenas para dar novas ideias, agora também sou contratada para dizer "pare", "calma", "pense", "faça menos", "reflita", "espere", "pense no meio ambiente, em questões políticas, sociais e aspectos humanitários". Meu trabalho tornou-se mais político e mais social.
O que pensa quando olha para as coleções em diferentes lugares do mundo e vê as mesmas referências ou até as mesmas peças?
Está no ar e acontece nas artes, literatura, cinema, na moda. É o que os alemães chamam de Zeitgeist (o consciente cultural e intelectual do mundo). Lembro-me de que em uma mesma temporada vi peças parecidas em coleções de Yohji Yamamoto, Thierry Mugler e Issey Miyake. Não existe dono para uma ideia, apenas a maneira como a tratamos é que difere. Eu não acredito que uma ideia possa ser original. Não existe originalidade, pois estamos impregnados de história, do país, nosso legado, viagens, escola, amigos, de tudo e de todos. Acho que todos temos ideias semelhantes. Contudo, ver lojas e marcas parecidas em vários lugares do mundo é algo penoso. Por isso estou brigando para fazer escolas de design em países emergentes, pois acho que precisamos de mais talentos.
Esse raciocínio se aplica a lojas como Topshop, que usam referências de outras marcas em suas coleções?
Não, esse é um modelo antigo. Além disso, acredito que marcas globais deverão passar a produzir localmente, para desenvolver a economia e também para ter seguidores locais. Modelos, atrizes e outras pessoas poderiam influenciar coleções e essas ideias poderiam voltar para as sedes das empresas e serem aplicadas em coleções que seriam lançadas em outros lugares. Acredito na criação coletiva e em partilhar ideias. Creio que será a principal filosofia do século, mas ninguém ainda está pronto para isso. É uma vergonha, porque o transporte de itens é uma das principais causas de poluição, além de tornar o produto caro, mesmo se foi produzido a baixos custos na China. Fica tão caro como se tivesse sido produzido na porta ao lado.
As marcas que divulgam ter preocupações com o meio ambiente usam o algodão orgânico como principal bandeira. Fazer roupas do material é ser sustentável?
É um passo. Todo passo é importante, mas não é suficiente. Para ser sustentável, uma empresa deve pensar em consumo sustentável, o que significa criar uma relação duradoura e não efêmera com os consumidores. E também não acho que reciclagem é a saída, porque quanto mais pensamos que podemos reciclar não estamos parando de produzir e continuamos comprando. Um dos principais desafios é a produção de itens malfeitos, que duram apenas alguns anos. Não existe vintage da nossa era.
Novas direções precisam ser inventadas. Por exemplo, as pessoas não vão mais viver nas cidades, vão viver no campo, e não vão consumir da mesma maneira. Mesmo assim devemos manter a alegria em consumir, produzir, não sou "anti". Eu ainda consumo, e posso amar novas coisas.
A estilista Vivienne Westwood sugeriu recentemente que o consumidor compre menos, reutilize mais e combine melhor as peças do seu guarda-roupa. Esse discurso combina com roupas que custam centenas ou milhares de dólares vendidas em suas lojas?
Ela sempre foi rebelde e tem o direito de falar isso. Sempre fez de seus desfiles atos políticos e, se alguém pode fazer isso, é ela. E pode-se comprar um par de calças de mil dólares se ela ajudar a reestruturar seu guarda-roupa.
Que papel tem o Brasil no cenário da moda e design mundial?
O Brasil tem muitas qualidades. Tem a ver com calor, localização, raízes, música. É tudo muito festivo e otimista. O mundo está muito interessado e olhando para o Brasil. É o líder da América do Sul em design. O que falta é divulgar. O único nome reconhecido mundialmente é o dos irmãos Campana e eles se promoveram sozinhos. O governo deveria organizar ações para promover a presença internacional de design e moda brasileira fora do país.
No que está interessada no momento?
Na criação das escolas de moda e em cozinhar. Faço muitos vegetais, à moda marroquina e indiana.
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