Na Antropologia, ciência que privilegia os métodos qualitativos de pesquisa, quando definimos os nossos objetos de estudo, costumamos adotar uma categoria do senso comum ou “nativa” que os classificam pelas suas práticas comuns, como, por exemplo, “os marombeiros”, “os swingers” etc. Em geral, nesses casos, não há questionamentos sobre quem são os nossos pesquisados.
No entanto, quando pesquisamos fenômenos como o consumo, que não dá nome a um grupo em particular, esbarramos sempre em dificuldades para definirmos o nosso objeto de estudo, assim como na “desconfiança” de quem nos lê, especialmente quando não se trata de consumo de luxo nem de consumo popular.
Definir aqueles que estão no meio, que não são apenas uma coisa ou outra, não é tarefa das mais simples. Quando utilizamos conceitos como o de “camadas médias urbanas” para definirmos o nosso objeto de estudo fica sempre a dúvida sobre de quem estamos falando. Para aqueles que ainda duvidam da legitimidade dos dados coletados em trabalho de campo, conceitos como esse são apenas artifícios para nos referirmos à meia dúzia de conhecidos que entrevistamos em nossas pesquisas.
O curioso é que, quando se trata de pesquisas, em geral quantitativas, que se referem aos pesquisados como sendo das classes A, B, C, D ou E, a partir de critérios muitas vezes questionáveis, as críticas não são tão duras.
No último Seminário Internacional de Comportamento e Consumo do SENAI CETIQT, Alberto Carlos Almeida, Cientista Político que se tornou especialista em testar teorias qualitativas por meio de métodos quantitativos, como fez com as teorias de Roberto DaMatta sobre o Brasil em “A Cabeça do Brasileiro”(Ed. Record, 2007), nos mostrou que, quando se fala em classes, é a “Classe C” a que melhor representa o Brasil. É aquela que tem os mesmos desejos de consumo da classe A/B e que tem um discurso que se situa “na média”, comparado com o das demais classes.
Uma boa ilustração para essa discussão foi um episódio de 2009 do programa “A grande família”, transmitido pela Rede Globo de Televisão, que abordou as mudanças comportamentais relativas aos usos da Tecnologia da Informação e da Comunicação na vida cotidiana dos indivíduos dessa “classe C”, representada pela família de Lineu e Nenê e seus vizinhos.
Nesse episódio, a personagem Nenê confessou à amiga Marilda que tem o hábito de entrar na internet, escolher produtos, fazer a compra e, na hora de pagar, não completar o processo. Tudo só para sentir o prazer momentâneo de estar comprando algo que gostaria muito, mas que não tem dinheiro para comprar. No caso, um fogão em aço inox, com seis bocas.
Marilda, se dizendo entediada devido à monotonia da sua vida, sem um príncipe encantado, namorado ou marido, também entrou na brincadeira de Nenê e passou a fingir comprar casacos e roupas de frio para uma suposta viagem à Europa.
-“Escandinávia maravilhosa, 23 dias, ou Paris Incrível, 15 dias?”, perguntou-se. “Vou escolher Paris, é mais romântico”.
Quando percebeu que Marilda tinha se viciado na brincadeira, Nenê tentou convencer Marilda a largar o computador, os seus sonhos de classe A/B, e ir se divertir com ela e Lineu no “Petisco da Velha”.
Atraída pela realidade virtual, Marilda se recusou a trocar Paris pelo Petisco da Velha. Afinal, em Paris, ela estava sentindo o friozinho da noite, num Bistrô próximo à Tour Eiffel, tomando um vinho francês, acompanhada do seu príncipe encantado.
Como revelam os dados da pesquisa realizada por Alberto Carlos Almeida, os sonhos de consumo da classe C são os mesmos das classes A/B. O que significa dizer também que distância ou proximidade de classe não se confunde com distância ou proximidade no “estilo de pensar”.
Fonte:http://www.cetiqt.senai.br/blog/comportamento/?p=1035
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