domingo, 13 de novembro de 2016

Li Edelkoort: “O sangue novo da moda virá do Hemisfério Sul”

A trend hunter holandesa, um dos nomes mais aclamados do mundo da moda, falou à Marie Claire sobre o presente e o futuro do universo fashion. Além de pedir mais atenção do Brasil no que diz respeito à valorização de seu potencial inspirador, ela comentou também sobre questões polêmicas como apropriação cultural e feminismo na passarela. 

Aquele vestido que você está namorando na vitrine da sua loja preferida, o sapato que não sai do seu pensamento e até aquele móvel que passou a figurar em sua lista de desejos certamente já passaram pelo radar de Lidewij Edelkoort há dois anos. A trend hunter holandesa, que já foi eleita uma das 25 personalidades mais influentes do mundo da moda pela revista norte-americana “Time”, está sempre à frente quando o assunto é prever quais tendências vão despontar na moda, no designer, na arte...

A habilidade, ela credita à intuição e à capacidade de identificar no dia a dia alguns inconscientes coletivos e acompanhar com atenção os movimentos socioculturais. “É um treino da intuição, um trabalho constante”, disse Li, como é popularmente conhecida, em entrevista à Marie Claire, durante o evento Fio da Meada, que reuniu grandes nomes da moda em uma semana de palestras em comemoração aos 50 anos do Shopping Iguatemi, em São Paulo.

Seu olhar voltado para o futuro, no entanto, não aponta só o que vai reinar no closet das fashionistas, como também questões mais abrangentes, como a atual necessidade de renovação do universo fashion. E o ponto de partida pode estar em uma mudança de protagonismo. “Em 15 anos, o Hemisfério Sul vai ganhar o mundo. O Norte está só reinventando o vintage, precisamos de sangue novo na moda”, afirma.

E o Brasil, segundo ela, desponta nesta questão. Não à toa, seu mais novo livro, “Bloom Fé”, trata da importância da religiosidade e espiritualidade, tão próprias do país, em um cenário mundial dominado por crise e conflitos.

A seguir, Li Edelkoort fala sobre o presente e o futuro da moda, assim como de questões tão atuais que começam a ganhar espaço nas passarelas, como a apropriação cultural e o feminismo.

Marie Claire – Foi creditada a você a afirmação de que a moda está morta. Você continua partilhando dessa ideia?
Li Edelkoort - Eu nunca disse que a moda está morta. Eu disse que o sistema da moda está obsoleto neste momento. E a principal razão é a ganância. As pessoas só pensam em fazer as companhias crescerem cada vez mais. Mas se elas crescem apenas 5%, os designers são demitidos, porque não foi o suficiente. Isso torna o sistema insustentável.

MC – E o que tem estimulado esta ganância?
LE –
 O excesso de exposição. O que aconteceu com a Coca-Cola, Starbucks, McDonalds, está acontecendo com as marcas de luxo. Em qualquer aeroporto, você é forçado a comprar. O passageiro sai do avião e cai dentro de um shopping, antes mesmo de pegar a bagagem. Isso é muito estranho. As pessoas estão o tempo inteiro sendo expostas às marcas, mas não têm tempo para tudo aquilo.

MC – Temos acompanhado uma troca constante na diretoria criativa das grifes. Isso contribui para o problema?
LE – 
Sim, não está havendo mais tempo para os consumidores atestarem emocionalmente a linguagem de um designer. Antes mesmo de as pessoas usarem suas criações, eles saem. E aí a reinvenção das marcas passa a acontecer baseada simplesmente no que as consumidoras compram, na mudança de logos... Por isso, acho que não é positivo ter uma única pessoa responsável pela criação. A moda só se tornará fashion novamente quando entender que esse processo funciona de maneira coletiva e colaborativa, assim como a sociedade. 

MC – Qual é o princípio da mudança?
LE –
 A formação dos profissionais. Acho problemático os designers serem formados para a passarela. Só 8% dos profissionais estão na indústria e de fato tendo sucesso com isso. Me refiro a quem está fazendo tênis,casacos hipermeáveis, peças para o inverno intenso... O grupo The North Face fatura 15 bilhões que é mais do que qualquer conglomerado de moda de luxo. Mas ninguém está discutindo isso, porque estão todos focados no luxo. Existem pessoas fazendo muito mais dinheiro, menos propaganda e produtos mais honestos. As marcas precisam fazer suas próprias regras e não fazer a nova tendência. O pensamento deve ser: “Como eu posso fazer deste produto o melhor de todos”. Designers precisam aprender a procurar o melhor tecido, projetar peças que não sejam passageiras. É por isso que a Uniqlo, por exemplo, é famosa. Porque eles são famosos por poucos produtos. Existem hoje muitos outros valores e maneiras de expressão que não estão só nas passarelas.

MC – Quem já está traçando esse caminho?
LE – 
A moda underground dos EUA, marcas relacionadas à música, à cultura hip-hop, ao skate, ao surfe… Elas são inventivas e, consequentemente, as pessoas gastam muito dinheiro com elas. A maioria é bastante cara, mas os consumidores querem todos os itens icônicos, independente do preço. Nós nunca vimos nada parecido antes.

MC – Mas você é otimista em relação ao futuro?
LE –
 Sim, porque acho que as pessoas estão percebendo que a mudança é necessária. Está todo mundo se questionando. Das lojas de departamento às marcas de luxo, todas estão tentando descobrir o que devem fazer para se reinventarem. Isso está tornando as coisas mais intrigantes e empolgantes. Moda tem a ver com reação, em se tornar mais interessante. Eu aconselho meus clientes a se concentrarem no processo de produzir roupas, acima de tudo. A moda está pedindo mais ação.

MC – Quando a gente fala em novidades, é inevitável não falar no formato “see now, buy now” (veja agora, compre agora). Qual a sua opinião sobre ele?
LE -
 Não acho que os resultados já estejam acontecendo. Existe um grande movimento logo após os desfiles, mas nós ainda não sabemos como isso tem acontecido um mês depois. Acho uma ideia ainda confusa para muitas pessoas, inclusive para os consumidores - eles não sabem mais se a coleção é para agora ou para a próxima estação.

MC – E no que diz respeito às marcas. Pode ser positivo comercialmente, não?
LE - 
Se todo mundo adotar, vamos desacelerar consideravelmente a moda e o surgimento de novas tendências. Ninguém vai mais abraçar os riscos e avançar. Você não verá mais o resultado da crítica da imprensa, das modelos, da internet… Você não terá mais o buzz prévio. A produção então vai deixar de se basear em todo esse sistema de reação. Sem críticas, fotos, escolhas prévias dos editores, explicações aos consumidores a fim de convencê-los da importância daquela novidade, as marcas vão automaticamente dar menos passos largos. O excesso de cuidado torna o resultado simplesmente comercial. Porém, precisamos de novidades, que exigem tempo para serem ajustadas e aceitas. Eu tenho medo, acho que vamos produzir menos.

MC – Como essa escolha pode impactar no seu trabalho?
LE - 
A minha vida vai ficar muito mais fácil, será muito mais simples prever uma tendência.

MC – Qual é o processo de identificar as tendências com tanta antecedência?
LE - 
É um treino da intuição, um trabalho constante. Todo mundo tem essas inclinações para coisas que começam a se tornar comuns, mas muita gente não presta atenção. Como é meu trabalho, eu estou atenta o tempo todo. É uma espécie de conexão maior com o universo do conhecimento. E isso é um presente.
MC – O que te inspira?
LE - 
Tudo. Não tenho regras. Pode ser uma pedra, um cacto, um rato, um cookie, um tecido, algo arcaico, algo histórico... Nunca é nada específico pelo qual estou procurando. Hoje, por exemplo, reparei que metade da plateia na apresentação estava usando branco. Então eu automaticamente me certifico de que o branco está se tornando cada vez mais importante. Quando eu pego a temperatura de uma sala cheia de pessoas, fico satisfeita, porque entendo o que está acontecendo.
MC – A moda sempre foi vista como um reflexo do seu tempo. Mas você tem notado que cada vez mais as marcas têm perdido essa relação com o que está acontecendo na sociedade para simplesmente produzir roupas?
LE -
 A moda não está mais conectada com o que está acontecendo no mundo. E essa é a primeira vez em toda a sua história. Ela já serviu de termômetro para o que aconteceria na sociedade, mas não serve mais. A moda nunca vai entender que não somos mais individuais. O futuro da nossa sociedade está no trabalho coletivo, na cooperação. O problema é que a educação de um estilista continua sendo baseada na individualidade, as pessoas ainda acham que os consumidores partem de um principio individualista na hora da compra. Acho que o resultado disso será as pessoas começarem a fazer a sua própria moda. Sou otimista.
MC – Quais são os designers que estão fazendo um bom trabalho hoje?
LE –
 Não gosto de responder a essa questão porque tem a ver com gosto pessoal. Mas se eu precisasse escolher um nome, eu diria Issey Miyake. É a pessoa mais inovadora deste planeta. Ele tem inspirado toda a passarela.
MC – E o que mais pode trazer um sangue novo pro universo fashion?
LE –
 A emancipação do Hemisfério Sul. Eu acho que ele está social e culturalmente pronto para se tornar o centro do mundo com sua grande energia. Acho que os países do norte, que não param de reinventar o vintage, precisam de sangue novo, isso vai ser muito fértil para o mundo todo mudar. Vocês do sul estão prontos para isso, finalmente.
MC – Quando falamos do Hemisfério Sul, estamos tratando de questões étnicas. Como traduzir essas referências de maneira honesta em um momento em que estamos falando tanto de apropriação cultural?
LE - 
Primeiro, você precisa co-branding, de uma estratégia de associação com as pessoas que estão lhe fornecendo inspiração. Depois, preciso dizer que esta questão da apropriação cultural é bastante difícil, porque as pessoas simplesmente não conhecem a história de seu país. Vou usar como exemplo máscaras primitivas. Elas vieram da Mongólia, do sul da França, da Escócia, dos Alpes, da África, Índia, América do Sul... Muita gente acha que elas estão relacionadas a uma única cultura, mas isso está completamente equivocado. Muito em breve, o estudo do primitivismo vai apontar para o mundo inteiro uma tendência animalística. E obviamente se tornará um grande debate. É tempo de reconsiderar, mas também de não usar referências histórias em um simples vestido de poliéster.
MC – Quais referências fashion você identifica nos países do sul?
LE – 
Acho que elas vão além da expressão étnica. Tem mais a ver com alegria, cores, exuberância... As pessoas só precisam ser cuidadosas na hora de criar. Basicamente, é uma relação de voluptuoso com um toque fresh. Tem a ver com um glamour acessível e, claro, com sensualidade.
MC – E como você avalia a moda brasileira?
LE - 
Não sei muito sobre a moda brasileira. Pelo pouco que eu vi, achei bastante expressiva. Mas recentemente tenho notado Brasil numa tendência de querer ser como os países do norte. O grande problema do Sul é fingir que estão sempre uma estação atrasada. Vocês precisam decidir que estão uma estação na frente. A gente [EUA, Europa] é quem tem que seguir vocês. Isso acontece com a África também. O Brasil está na moda - nas lojas de departamento, na comida, na música. As Olimpíadas provaram isso., apesar de vocês ainda não terem se dado conta. Está na hora!
MC – No Brasil, hoje, estamos vivendo um grande avanço do movimento feminista, assim como na Europa. Você acha que moda é uma questão feminista?
LE – 
Não, é masculina. Acho que é o homem que está no processo de emancipação, eles estão criando os filhos pela primeira vez na História. O homem que a gente conhecida não existe mais. Então as mulheres estão um pouco perdidas. “O que fazer com uma pessoa que é quase como eu?”, elas se questionam. Quando nos voltamos pra moda, vimos que esse movimento implica na insignificância do salto alto e de todos esses arquétipos pejorativos de mulher atraente. Isso com certeza vai mudar futuramente as relações sexuais também, o que pode sugerir uma nova maneira de fazer lingeries, por exemplo. Essa emancipação nos tornará mais assertivos, porque precisamos encontrar maneiras inovadoras de fazer dinheiro.
MC – Mas o que tem achado de algumas grifes, como a Chanel, terem criado coleções feministas?
LE –
 Acho fraco. E é uma sensação generalizada. Acho que isso é uma questão puramente política.
11 TENDÊNCIAS DO VERÃO 2018 POR LI EDELKOORT
>> Foco nas mangas, que surgem volumosas e longas.
>> Quando o assunto é tecido e inovação, o papel entra em cena como matéria-prima da vez. E o reaproveitamento das sobras se fará necessário.
>> O sexy surgirá de maneira estranha, quase caricata, influenciado pela arte.
>> A camiseta será hit e reforçará o apelo genderless. Em um mundo de sexualidade fluida, referências masculinas e femininas virão juntas.
>> O mix de estações acompanhará a atemporalidade tão necessária com peças que poderão ser usadas o ano todo.
>> A textura molhada virá atrelada da transparência num apelo despreocupado e mais divertido.
>> As flores aparecerão tanto como adorno, quanto como forma de tingimento.
>> A tendência dos animais de estimação vai "transformar" pessoas em pets. Tecidos e cores farão referência aos bichos.
>> O primitivismo aparecerá nos acessórios propondo novas ideias de formato. E o metal dará um resultado futurista.
>> Os poros da pele, assim como os contornos da silhueta feminina, servirão de base para os shapes e texturas.
>> O hibridismo entre água e terra aparecerá em peças bem construídas com finalização fluida.

Fonte: revistamarieclaire.com

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