sexta-feira, 23 de julho de 2010

Para Franca Sozzani, da Vogue Itália, o Brasil não tem estilo


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Franca Sozzani, a mulher que comanda há 22 anos a revista “Vogue Itália” ©Divulgação
Entrevista por Juliana Lopes, de Milão

Um cachorrinho branco, peludo e pequeno late e dispara pelos corredores da Condé Nast em Milão. É Lazlò, importado da Hungria, que vai todos os dias trabalhar com Franca Sozzani, diretora de redação da “Vogue Itália”. Ele late para um dos funcionários que toma café num copinho de plástico. Ali perto, uma  secretária procura um papel timbrado para escrever um cartão de aniversário.
Franca comanda a “Vogue Itália” desde 1988, quando tinha 38 anos de idade. Antes disso trabalhou para a revista “Lei” (“Ela” em italiano). Neste ano ela entra para a turma dos sexagenários, tendo dedicado 22 anos de sua vida somente para a versão italiana da “Vogue”, sempre de braços dados com o seu parceiro criativo Steven Meisel, que também conheceu nos anos 1980.

A moda mudou muito nas últimas duas décadas, mas o pensamento de Sozzani parece estar à frente. Na verdade ela parece tão forward que transmite a sensação de que, a qualquer momento, vai estar em outro lugar _mesmo fisicamente: Franca senta e me olha, mas de repente se levanta e vai examinar a vista de sua janela que dá para um belo bairro milanês. Ela está concentrada!? Empolgada!? Entediada!? Franca é intangível _inatingível_, gosta de dar respostas ácidas e fluidas. “É preciso tempo para que a moda exista”.
Como é uma jornada sua de trabalho normal? Começa como e termina como?

Não existe nada de brilhante, são apenas projetos, reuniões, planos. Encontro com várias pessoas, converso com os redatores.
Quantas horas por dia de trabalho?

12 horas.
Conseguiria trabalhar menos?

Conseguiria. Se tivesse menos coisas para fazer.
Existem procedimentos?

Não tem regra. Se tivesse regra não seria uma revista criativa. Vamos decidindo o que queremos aos poucos, as ideias brotam.
E de onde brotam, por exemplo, as ideias para os editoriais de moda?

De qualquer lugar. Alguém me telefona, ou eu vejo um filme, alguma revista que me chama a atenção. Ou então numa conversa pinta uma ideia. Ou então alguém vem até a minha sala e me propõe alguma história. Não tem regra, entende?
Mas você tem as suas fontes de inspiração?

Depende. Algumas coisas me inspiram, de outras já não gosto mais. Se fosse burocrático seria um escritório e aqui não é um escritório, não é comercial. Desde 1988 é assim, foi sempre assim. A tendência se cria assim.
Falando em tendência, hoje muitas marcas pagam alto para ter acesso às pesquisas feitas por bureaus…

[corta a pergunta no meio] Tendência não se compra. Quem faz tendência não compra esse tipo de informação. Esse tipo de informação é pra outra coisa, não para criar estilo. É um blefe, não tem valor. Ou você acha que a Prada compra tendência? A Prada faz. Quem vai atrás da tendência é porque não a produz, entende? Cada um tem que produzir o próprio trabalho.
Então a senhora acha errado os países em desenvolvimento se inspirarem na moda que é feita em países consagrados?

Acho. Acho erradíssimo. É erradíssimo se inspirar nos outros, cada um tem que encontrar as coisas que funcionam em seu próprio lugar. Porque, se eu vou ao Fashion Rio e vejo coisas que estão sendo feitas em Paris, não tem sentido ir ao Rio, entende? Ir ao Rio é menos cômodo, mais complicado. Então ir ao Rio para ver Paris não me serviria para nada.
Como você enxerga o estilo brasileiro?

Não vejo um estilo brasileiro. Sei que existe uma beleza brasileira, mas não enxergo um estilo. Não é fácil encontrar a própria estrada, é preciso esforço e criatividade. A moda precisa de tempo.
Precisa de tempo e precisa de dinheiro, de uma economia forte…

A receita para levar a moda adiante é ter um conceito forte, um pensamento por trás.
E a Itália tem esse pensamento forte por trás da moda?

Temos gênios que confirmam isso, como Valentino. Nomes que você vê [no mundo todo] como Dolce & Gabbana, Versace. Não temos apenas estilo.
Então a senhora acredita que é preciso tempo para se construir moda?

Sim. Essa história não quer dizer que o passado precisa ser levado para as passarelas. Vivemos no presente. Mas, temos que ter alguma história pra contar.
O passado, então, não ajuda?

O passado pode ser um fardo. Ele pode minar a sua liberdade.
O fotógrafo Steven Meisel é um colaborador importante para a “Vogue Itália”. Quando começou essa parceria?

Nos conhecemos quando eu ainda era editora da revista “Lei”. Todos nós estávamos começando, não tínhamos nada a perder. Eu gostava do que ele fazia, de como via as coisas, percebia que existia um conceito em suas imagens, que até então eram poucas: ele tinha um book com 3 ou 4 fotos. A redatora na época era a [atual estilista] Anna Sui. Deu certo e assim ficou.
Como é fazer uma revista italiana com um fotógrafo que não mora na Itália?

Os editoriais da “Vogue Itália” são feitos nos Estados Unidos, entre Nova York e Los Angeles. Eu e Meisel nos telefonamos sempre. É mais viável fazer tudo lá do que trazer para cá a estrutura toda, os fotógrafos, as modelos, que praticamente moram todos no exterior. Quando temos que sair daqui [de Milão], vamos com uma equipe super reduzida.
E os novos fotógrafos? A senhora deve receber muitos portifólios…

Não. No momento não tenho nenhuma aposta. É preciso trabalhar, é preciso tempo para tudo.
Existe espaço na Itália para novos estilistas?

Esse não é um problema da Itália, é um problema mundial. É difícil também na Inglaterra, em Paris, em Nova York. É preciso dar tempo a esses nomes. Não podemos já chegar dizendo que eles são “gênios”, porque daí eles vão achar que já estão no topo. Muitos nomes se destacam numa temporada, mas depois somem. Não é fácil. Aqui na Itália existem novos talentos como o Francesco Scognamilio e muitos outros. Mas é preciso tempo: eles têm que trabalhar, têm que crescer.
A Itália é mundialmente famosa por fazer uma moda considerada sexy. O que acha disso?

Toda mulher se veste para agradar, para ser sexy. É o normal, mas sexy não pode ser sinônimo de vulgar. É possível ser sexy com camiseta e calça. As mulheres, em sua essência, são sensuais.
Saída de um país novo como o Brasil, temos alguns nomes na moda como Gisele Bündchen, que é a modelo mais bem paga, a número 1 do mundo.

A Gisele não é a número 1. Isso é um conceito brasileiro, não mundial.
Mas ela está no topo da lista das modelos mais bem pagas do mundo segundo a “Forbes”.

Ser a mais bem paga não significa que ela é a número 1, existem várias “números 1”. Várias modelos que são boas, que não são somente belas, mas têm personalidade, entendem o fotógrafo. Natalia Vodianova também é uma número 1. E outras 3 ou 4 também o são. Ser bem paga não quer dizer que ela seja a mais valiosa para o mundo da moda. Muitas modelos, por exemplo, não fariam Victoria’s Secret. Capisci?
Uma pergunta impossível de não fazer é sobre a Anna Wintour. O que a senhora achou do episódio em que o calendário de moda na Itália diminuiu porque ela avisou que não poderia estender sua estadia em Milão?

Existe um ditado: “A casa mia si mangia quello che mangio Io” (em tradução livre: “Na minha casa, come-se da minha comida”). Não dá para culpar quem vem de fora. É culpa de quem, em casa, não soube se impor.
Onde a senhora costuma comprar suas roupas?

Não tenho regra para isso. Posso passar na frente de uma loja e gostar de alguma coisa. Se tenho que dar algum exemplo, diria a Corso Como 10 [a loja foi fundada pela irmã de Franca, Carla Sozzani].
Você gosta de cozinhar?

Sim, para nós italianos a cozinha não é só questão de comer, mas é um momento onde convivemos entre nós, onde dividimos nossos momentos. Não cozinho, mas tenho meu prato favorito: tortelli di zucca, típico de Mantova, minha região.
Gosta de música?

Temos que ouvir de tudo. Fomos os primeiros a falar da banda Tokyo Hotel. Ouço música clássica, Sting, Tracy Chapman. Mas também gosto de Lady Gaga.
Lê muita revista?

Leio. Muitas. Quer dizer, vejo, vou passando os olhos. Vejo revistas até de arquitetura, decoração.
Quais?

Muitas, não sei dizer. Mas são muitas.
E livros?

Não leio livrros teóricos sobre moda. Os livros que leio são de literatura, contos. Leio 3 ao mesmo tempo porque gosto de entender o que está acontecendo e pronto. Às vezes me canso do livro e troco, fico entediada.
A Itália conta com uma matéria-prima de altíssima qualidade e um diálogo constante entre estilistas e artesãos. Isso procede?

Quem desenha, desenha para ser produzido numa matéria-prima, então é óbvia essa troca. Se você vai fazer o sapato, desenhá-lo, vai desenhar em alguma coisa, não é? Assim funciona o nosso made in Italy, que conta com alta qualidade, mas também com muita produção.
Apesar de toda a produção, existe o impacto da crise econômica.

Tem crise sim, é inútil querer esconder. Crise na Itália e em todo o mundo. Nunca houve uma crise como essa, nessas proporções. Ouvimos geralmente sobre crises específicas, mas uma crise geral como essa, não me lembro.
Nem mesmo a crise de 1929?

É muito antiga essa crise, está num passado muito distante. As pessoas dessa época já não existem mais, ninguém lembra.
O que se pode aprender em momentos de crise?

Na crise se aprende a descobrir o novo.

Fonte:http://ffw.com.br/noticias/para-franca-sozzani-da-vogue-italia-a-moda-brasileira-nao-tem-estilo/

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